5.26.2013

Portugal - Um País Agridoce



A rua da mesma


         Nestes primeiros dias, o que mais tenho feito é ler as ofertas de emprego nos jornais. Portugal pode estar saindo da grande depressão dos anos 80, quando até passaram a chamar o de 25 de Abril de “ a revolução falhada”, mas emprego mesmo não tem ainda. Então, o que faço é ler os jornais, de uma ponta à outra. Aproveito para aprender o estilo local.

        O jornalismo tem vícios violentos, só que o estilo português é muito precioso. Parece que foram os franceses que inventaram que escrever bem é atravessar um texto inteiro sem repetir palavras, o que transforma o ofício da escrita numa desesperada caça de sinônimos. Pois bem, os jornalistas portugueses fazem isso com um rigor admirável. Bem que eu estranhei no início, quando li os primeiros jornais sentado no Café Buraco Quentinho, ali perto da Batalha, praça no centro da cidade do Porto. Tive que decifrar que, se no título da reportagem, já está estampada a palavra França, ela se torna mais ou menos proibida no texto e passa a ser “aquele país gaulês”. A Espanha, não dá outra - é sempre “aquele país vizinho”, mas a Itália, que fica mais longe e tem até que atravessar montanhas para chegar lá, é “aquele país transalpino”. Confesso que gosto quando eles chamam o Brasil de “aquele gigante latino-americano” ou a Bahia de “aquela terra de Jorge Amado” (viram? Eu não falei que ele era conhecido aqui? Não entendo por que os policiais duvidaram que fosse brasileiro), mas tropecei e até gaguejei quando encontrei um país apresentado como “aquela zona tórrida do globo terrestre”. Acontece que eu estava lendo a notícia sem prestar muita atenção e me perdi, o que me fez voltar todos os parágrafos, minuciosamente, para entender que era a África do Sul. Sinceramente, acho que o jornalista exagerou.

         Essa ânsia de não repetir palavras, para manter o brilho acadêmico do texto, é tão forte que um jornalista que conheci outro dia me contou que um certo jornal de Coimbra, cidade a 100 quilômetros ao sul daqui, chegou a ter problemas quando foi dar a notícia do corte de energia elétrica numa rua chamada Luz. Só resolveu o grave impasse ao publicar “Faltou luz na rua da mesma”. 

         Mas nem só com estilos franceses se espanta o leitor brasileiro. As palavras são levianas e fúteis, e basta que atravessem o Oceano Atlântico para mudarem de significado.  Por isso é que não me alarmei quando li “Silveira bate Pinto em corrida de bicicleta”. Fui com cuidado, destrinchando a coisa. Primeiro, senti um arrepio ao imaginar a dor que devia ter sentido o Silveira na corrida de bicicleta e até me perguntei se tinha sido contra o selim ou contra o guidon,  mas depois fiquei pensando que bater podia ser ganhar ou vencer e que, se fosse assim, a coisa estava explicada: Silveira e Pinto correram, mas só o Silveira ganhou.

         Não que eu seja obcecado por certas partes da anatomia, mas foi dias depois que também li: “Faltam rolas em Portugal”. Quer dizer, um sujeito bate a dele na corrida de bicicleta e, depois, todas as outras somem do país. Uma desgraça. Mas as rolas, que são animais importantes para a preservação da ecologia portuguesa (as cegonhas e os lobos também) estão ameaçadas de extinção, e não tinha outro jeito de dar a notícia a não ser criando todo esse alarme fálico, que me fez pensar que “se está faltando, alugo a minha”. Mas era desvario de desempregado, nada sério.

         E isso não é nada, em termos de bagunçamento lingüístico, se comparado com o que aconteceu quando um jornal de Lisboa resolveu homenagear o primeiro século de vida do funicular que vai da Avenida da Liberdade até o Bairro Alto. Como funicular não parece nome de meio de transporte e lembra, isso sim, verbo de ação íntima, como alguém que funicula outra, o bondinho, que passa os dias subindo e descendo, recebeu o nome de Glória, assim mesmo, sem cerimônia. Qualquer um pode pegar a Glória, subir na Glória, descer dela, tudo à vontade, só tem que pagar alguns tostões. E esse à-vontade ficou tão grande que o jornal não teve dúvida e pôs lá: “Glória trepa há 100 anos”. Fiquei encantado com tamanha vitalidade e pensei “Ah, mas então não está faltando rola, senão, como é que pode?” O Silveira, depois do impacto de bater o Pinto, também deve ter frequentado  Glória, a trepadeira secular.



4 comentários:

Yamil Dutra disse...

Sempre divertido e inteligente!

Beth, Betinha, Betita ... não sou eu quem me chama! disse...

Muito bom!

Graça Vasconcellos disse...

Adoro ler-te!!!

Lulupisces disse...

Adorei! Também sofro dessa neura de não querer repetir palavras nos meus textos jornalísticos ou do blog..

Beijos,

Lulupisces.blogspot.com